Pesquisa mostra valor do leite de jumenta e pode ajudar a frear extinção da espécie
Uma pesquisa realizada em parceria pela USP e pela UFBA indica que a utilização do leite de jumenta na suplementação de suínos neonatos pode ser uma estratégia para reduzir danos associados a condições precoces de estresse desses animais. Intitulado “O leite asinino atenua as respostas imunes mediadas por estresse, cortisol, e comportamentais de leitões ao desmame: um estudo para promover futuras intervenções em humanos”, o estudo foi recentemente publicado pela prestigiada revista científica “Frontiers”, no volume de Imunologia.
O artigo faz parte dos resultados da tese de doutorado de Sharacely de Souza Farias, na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), orientada pelo professor Adroaldo Zanella da USP e co-orientada pela professora Chiara Albano de Araujo Oliveira, da Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal da Bahia (EMVZ/ UFBA). O pesquisador Claudio Vaz Di Mambro Ribeiro, da UFBA, auxiliou na análise estatística do experimento.
O grupo de pesquisa do professor Zanella faz parte da Força Tarefa Nacional Pelos Jumentos, que desde 2015 trabalha para melhorar o bem-estar e ressignificar o papel desses animais na economia e cultura nordestina e brasileira. A professora Chiara Albano, da UFBA, foi convidada a integrar as atividades em 2017. O grupo da UFBA desenvolve desde 2016 estudos com a produção e composição do leite asinino.
Segundo Chiara Albano, a proposta dos trabalhos de pesquisa e extensão dos grupos, tanto da USP como da UFBA, é que a utilização do leite de jumenta possa valorizar a espécie, que perdeu valor de mercado no país, e introduzir novos produtos lácteos no mercado nacional que possam proporcionar renda e o fortalecimento da agricultura familiar de forma sustentável.
EMPREGO EM HUMANOS
Segundo os autores do trabalho, o leite asinino pode atuar reduzindo a liberação do cortisol, “hormônio do estresse”, também atuando no desencadeamento de respostas inflamatórias. “Respostas inflamatórias exageradas podem comprometer vários sistemas adaptativos, com consequências para o desenvolvimento dos animais”, ressaltam. “Com isso, pudemos verificar que o leite de asinino mitigou a resposta inflamatória que o estresse do desmame e mudança de dieta causou nos leitões, quando comparados com o tratamento com leite bovino desnatado e o grupo que não recebeu suplementação”, complementa Sharacely Farias no seu estudo.
Segundo Chiara Albano “os leitões são animais modelos de excelência adotados em estudos comparativos com seres humanos em relação à anatomia, fisiologia, processos de neurodesenvolvimento e resposta imune. Um período crítico de maior sensibilidade a agentes estressores e exposição a patógenos é o desmame, que representa separação materna e mudança de alimentação”.
Como os suínos são utilizados como modelos biológicos nos estudos para humanos, a suplementação com leite asinino poderia também atender bebês humanos na redução de respostas a eventos estressores e respostas inflamatórias, além do emprego como complemento alimentar para crianças e idosos. Contudo, mais estudos devem ser realizados, apontam os pesquisadores.
INVESTIMENTO LÁ FORA, ABATE AQUI DENTRO
Nos últimos 30 anos países europeus como a Itália, França, Grécia, Croácia, Turquia, Espanha e Portugal, investiram em fazendas de produção leite de jumenta principalmente para conservar a espécie e as raças nativas. O interesse em pesquisas e investimentos nas criações foi incentivado pelas características nutricionais e terapêuticas do leite asinino. Na América do Sul, a empresa chilena Equus Milk está produzindo e comercializando o produto congelado e em pó. No Brasil não há cadeia produtiva de leite asinino organizada, nem legislação para o controle sanitário e de qualidade do leite da espécie, mas o leite é encontrado a venda em algumas regiões.
Atualmente, o Brasil abate aproximadamente 70.000 jumentos por ano para a exportação da pele para a China de onde é extraído o colágeno, ou ejiao, usado na medicina tradicional chinesa, embora suas propriedades terapêuticas não sejam comprovadas cientificamente. O abate indiscriminado e extrativista coloca os asininos na classificação de risco de extinção. As mudanças nas práticas agrícolas, com mecanização e troca do transporte de animais pelo uso de motocicletas, e o assédio à carne e à pele desses animais geraram consequências desastrosas aos jumentos, como abandono, condições precárias de vida e abate desenfreado.
A comercialização legal e ilegal da pele de jumentos no mercado externo é a principal ameaça aos animais. Os animais são comprados por baixos valores, entre 20 e 80 reais, ou coletados pelas estradas em situação de abandono. A pele de jumento chega até U$ 3.000,00. Existem três abatedouros na Bahia. A professora Chiara, que também é membro da Comissão de Bem-Estar Animal do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia (CRMV-BA), afirma que o risco de extinção é real.
Colaboradores
Colaboraram com o estudo de Sharacely de Souza o professor Guilherme Pugliesi (USP) e Priscilla Assis, do Departamento de Reprodução Animal da USP, nos trabalhos de expressão gênica nas células do sistema imunológico, Ana Carolina Dierings (USP), Vinicius Cardoso Mufalo (USP), Leandro Sabei (USP), Arthur Nery da Silva (USP) e Marisol Parada Sarmiento, do Centro de Estudos Comparativos em Saúde Sustentabilidade e Bem-Estar (CeCsbe) da FMVZ. O Criatório Ximbó, de Laranjal Paulista (interior de São Paulo), apoiou a execução do projeto.
Veja a reportagem do jornal da USP sobre a pesquisa:
Leite de jumenta reduz hormônio do estresse e resposta inflamatória no desmame de leitões
Fonte: UFBA / Edgardigital
Foto: UFBA – Foto arquivo professora Chiara Albano.