Pesquisadora brasileira, Jaqueline Mesquita, ganha prêmio internacional
Professora da UnB, Jaqueline é bolsista PQ do CNPq e foi a única cientista agraciada da América do Sul com o prêmio Science, She says! Award.
A professora de matemática, Jaqueline Godoy Mesquita, recebeu o prêmio Science, She says! Award em Roma, Itália, na semana de comemorações pelo Dia Internacional da Mulher. O prêmio é concedido pelo Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional italiano (MAECI) a jovens cientistas estrangeiras de destaque e a pesquisadora brasileira foi a única cientista agraciada da América do Sul, Central e Caribe. “Estou aqui hoje para receber este prêmio não apenas como Jaqueline Mesquita, mas também em nome de todas as mulheres cientistas da América do Sul, Central e Caribe, especialmente as do Brasil, meu país natal. Se estou ganhando este prêmio hoje é porque muitas mulheres no passado lutaram e morreram para permitir que eu e outras mulheres ao redor do mundo pudéssemos estudar e fazer progressos significativos na ciência”, afirmou a pesquisadora, durante a cerimônia de premiação realizada segunda-feira, dia 6 de março de 2023.”É meu dever dizer ao mundo inteiro hoje que nós, mulheres cientistas de todas as áreas, podemos fazer muito mais pela ciência, podemos ajudar a resolver os desafios globais, promovendo relevantes transformações no mundo”, completou a pesquisadora, que é Bolsista de Produtividade do CNPq e professora da Universidade de Brasília (UnB), além de ser embaixadora do Committee for Women in Mathematics da União Internacional de Matemática (IMU), membro afiliado da Academia Mundial de Ciências (2018-2022). Desde o final de 2021, a pesquisadora também é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM). Ela também faz parte do Comitê Executivo dos Jovens da Academia Mundial de Ciências (2022-2025).
Jaqueline Mesquita foi contemplada devido a seu trabalho envolvendo equações diferenciais funcionais com retardamento, área ainda pouco explorada, mas que vem ganhando projeção graças à grande aplicabilidade, em especial no que se refere a estudos que buscam compreender a evolução de doenças como as causadas por vírus. Essas equações descrevem o lapso de tempo transcorrido entre a pessoa ser infectada pelo vírus e o aparecimento dos sintomas. “Trabalhar com estas equações é um grande desafio, pois envolve técnicas não convencionais”, diz a pesquisadora. “Um retardo pode mudar completamente a dinâmica da solução e isso é algo muito curioso e interessante”, completa ela.
Além da Covid-19, as equações estudadas pela pesquisadora podem ser aplicadas a outras doenças, como a AIDS, provocada pelo HIV, e a Zika. O Science, She says! Award não é o primeiro prêmio concedido à matemática Jaqueline Mesquita por seu trabalho. Em 2012, ano de conclusão de seu doutorado, ela foi contemplada com o prêmio internacional Bernd- Aulbach prize for students em Novacella, Itália, concedido pela International Society of Difference Equations. Em 2019, com apenas 33 anos de idade, Jaqueline Mesquita recebeu o prêmio Para Mulheres na Ciência, na categoria Matemática, oferecido pela L’Oréal, em parceria com a Unesco Brasil e a Academia Brasileira de Ciências (ABC).
“Você começa a ter muita visibilidade após o prêmio”, comenta a pesquisadora. “Acho até que esse é um dos grandes impactos positivos, porque a gente não conhece muito sobre as pesquisas que as mulheres estão desenvolvendo no país, principalmente na área da matemática”, diz ela, ressaltando o aumento do interesse por sua área de pesquisa após ela receber o prêmio Mulheres na Ciência. “Eu fui chamada para dar várias palestras e falar sobre essas equações [as que ela estuda]. Surgiram, inclusive, conexões com outras linhas de pesquisa. Diversos projetos nasceram a partir disso porque as pessoas passaram a entender o que eu fazia e as possibilidades de parcerias se multiplicaram”, diz a pesquisadora.
A paixão da pesquisadora pela matemática se fortaleceu no final do ensino médio. Ela frequentou um colégio particular em Brasília onde ensinavam a matéria de uma forma estimulante, contando a história desse campo de conhecimento. Em 2003, Jaqueline Mesquita foi aprovada no vestibular da Universidade de Brasília (UnB), para cursar matemática. A seguir, a pesquisadora fez mestrado e doutorado no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo, em São Carlos.
As parcerias científicas de sua orientadora, Márcia Federson, com pesquisadores do leste europeu, possibilitaram à pesquisadora passar um período de seu doutorado na Academia de Ciências da República Tcheca, em Praga. Em 2013, ela fez pós-doutorado na Universidade de Santiago do Chile. No mesmo ano, concluiu o segundo pós-doutorado no ICMC e, a seguir, foi contratada como professora pelo Departamento de Computação e Matemática da USP, em Ribeirão Preto, onde permaneceu de 2013 a 2015, ano em que entrou na UnB como docente. Em 2019, conquistou a bolsa Alexander von Humboldt/Capes para pesquisador experiente, e passou a desenvolver pesquisas na Justus-Liebig Universität, em Giessen, Alemanha.
Apesar do reconhecimento, pesquisadoras de Ciências Exatas como Jaqueline Mesquita ainda têm de lidar com os estereótipos associados a essas áreas do conhecimento também com a desigualdade de gênero. “ As meninas acabam se sentindo desestimuladas, achando que aquilo não é para elas. Eu já tive muito essa sensação em várias etapas da minha carreira, a ponto até de quase pensar em desistir em alguns momentos. Porque eu acho que é justamente isso: o fato de você ver poucas mulheres e notar que elas vão sumindo ao longo do caminho dá aquela sensação de não pertencimento”, reflete apesquisadora, lembrando que, além de ter tido poucas professoras, viu o número de mulheres se reduzir cada vez mais à medida em que galgou mais degraus na carreira acadêmica. “Quando eu vejo, por exemplo, um evento de matemática em que não há mulheres plenaristas, acho extremamente danoso porque os nossos alunos estão assistindo isso. Para mim, fez muita diferença ter uma professora ao meu lado, uma orientadora, ter amigas durante o curso”, afirma.
Além da desigualdade de gênero, outro fator relevante apontado pela pesquisadora diz respeito à idade. Ela lembra que, por diversas vezes, teve dificuldade de se fazer escutar pelos colegas de trabalho, mesmo com sua experiência científica. “Ser uma mulher jovem em uma área extremamente masculinizada e onde a senioridade é sinônimo de competência é realmente um desafio diário. É difícil conseguir respeito tanto dos estudantes, que muitas vezes me vêem como muito jovem para ser professora ou para estar na minha posição, quanto dos meus colegas de trabalho, que muitas vezes me acham muito jovem para assumir compromissos importantes e posições de destaque”, comenta ela. Por esse motivo, a pesquisadora defende que todo ambiente científico tenha diversidade, condição essencial para que o conhecimento avance. “A diversidade nos grupos de pesquisa é fundamental, pois possibilita que existam vários olhares e distintas perspectivas voltadas a resolver um problema, o que ajuda a construir um ambiente de trabalho muito mais produtivo”, diz ela, que, ao ingressar na graduação, encontrou uma turma de 36 alunos em que apenas 7 eram mulheres.
“Já pensei em desistir muitas vezes, mas foram as histórias de outras mulheres de destaque que me deram incentivo e força para seguir em frente. Por isso, considero muito importante a questão da representatividade. É muito difícil sonharmos com um espaço em que não nos vemos ou nos projetamos. Por isso ver mulheres ocupando posições de destaque revitaliza a minha força e mostra que eu também posso chegar lá”, diz a pesquisadora, rememorando os incentivos recebidos por meio de bolsas e auxílios do CNPq, da CAPES e da FAPESP. Ela diz que as mulheres necessitam de mais espaço na academia, em especial nas áreas STEM, que envolvem ciência e tecnologia, Engenharias e Matemática, e aponta que as mulheres ainda têm dificuldade para alcançar cargos de maior destaque e poder. “Precisamos ter mais políticas públicas para incentivar as mulheres desde cedo a ingressarem na área de Exatas, uma área extremamente carente de representatividade feminina”, afirma a pesquisadora. Apesar de citar as desigualdades, a pesquisadora reconhece que o cenário atual está um pouco melhor do que o encontrado anos atras. Ela cita como avanços a inclusão do período de maternidade no Currículo Lattes do CNPq e a maior discussão da comunidade científica sobre a importância da representatividade.
Fonte: CNPq
Foto: CNPq