O exemplo do Butão
Leia artigo do cientista Isaac Roitman, membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), publicado no Correio Braziliense, em 23/01, no qual ele aborda o índice de felicidade, indicador que sobrepõe o bem estar da população ao crescimento material:
Recentemente, tive o privilégio de assistir a uma entrevista feita no Brasil pelo educador Thakur Sing Powdyel, ex-ministro de Educação do Butão, que participou do V Congresso Internacional de Felicidade que ocorreu em novembro de 2022 em Curitiba. Ele é o responsável por criar o conceito de Felicidade Interna Bruta (FIB) – Gross National Happinnes (GNH) – na educação desse país que é um pequeno reino encravado nos Himalaias, onde moradores vivem em estado de completa harmonia, em um cenário de 8 mil metros de altitude moldados por florestas e rios.
Os primeiros conceitos desse novo indicador em que o bem-estar deve se sobrepor ao crescimento material foi introduzido em 1972 e vem chamando a atenção de grandes nações. Isso porque, com o colapso ambiental e econômico que o mundo vem enfrentando, o Butão se tornou referência de nação em desenvolvimento que colocou a conservação ambiental e a sustentabilidade no centro da política, já que, após aderir ao FIB, o país dobrou a expectativa de vida, matriculou quase 100% das crianças em escolas primárias e reformulou a infraestrutura.
A visão do Butão, as metas e os resultados alcançados foram ponto de partida para que a ONU, com o apoio da comunidade internacional, recriasse o conceito de FIB para ser aplicado como forma de medir o desenvolvimento de comunidades e de colaborar para o crescimento e a erradicação da pobreza em países em desenvolvimento.
No Butão, a cultura e os costumes estão diretamente conectados à felicidade.
O país é considerado um dos melhores lugares do mundo para viver. A educação é pública e de qualidade, o acesso à saúde é gratuito, não existem pessoas analfabetas e todos os cidadãos têm acesso à água potável. Além disso, os índices de desigualdade são baixos, e é, também, um dos países menos corruptos do mundo.
A pobreza é praticamente imperceptível e diminui todos os anos, o meio ambiente está no centro de tudo e a economia está crescendo. Esse cenário pode parecer uma ficção. Felizmente é real. Os butaneses, vivendo a 8 mil metros de altura, são quase extraterrestres inteligentes.
O conceito do FIB foi incorporado ao sistema educacional em 2009 por Thakur Sing Powdyel, através da Escola Verde (Green School). A escolha da cor representa uma metáfora da vida. Verde representa tudo que dá suporte à vida em suas variedades e formas. A principal missão dessa escola não é a de produzir mão de obra para o mercado, mas a de formar verdadeiros seres humanos, em que a retidão e as condutas sejam moldadas e aperfeiçoadas no dia a dia.
Essa educação holística é baseada em vários pilares: meio ambiente, cultura, conhecimento, valores acadêmicos, estética, espiritualidade e ética.
Esse espaço escolar permite que estudantes, educadores e família amadureçam o conceito de responsabilidade social por meio da cooperação. Na dimensão afetiva, as crianças constroem atitudes, comportamentos e desenvolvem suas habilidades físicas, socioemocionais e culturais. Essas dimensões estimularam a correta hospitalidade, sociabilidade e coesão, metas dessa educação holística que une os cérebros aos corações. As gerações futuras moldadas nessa verdadeira inovação educacional certamente viverão em paz consigo mesmas e com os seus semelhantes.
Muitos conceitos nessa inovação educacional implantada no Butão foram inspirados na obra de Paulo Freire, a Pedagogia do oprimido. Para ele, o educando assimilaria o objeto de estudo fazendo uso de uma prática dialética com a realidade, em contraposição à educação bancária, tecnicista e alienante. O educando criaria a própria educação, fazendo ele próprio o caminho, não seguindo um já previamente construído, libertandose de chavões alienantes. O educando seguiria e criaria o rumo do seu aprendizado por meio do desenvolvimento da própria autonomia.
No Brasil, ao contrário do Butão, temos um sistema educacional ultrapassado, uma atenção à saúde deficiente, uma desigualdade social alarmante e um desrespeito ao meio ambiente.
Oxalá adotemos o FIB em vez de indicadores incompletos como o PIB (Produto Interno Bruto) e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
Vamos vislumbrar um futuro virtuoso para o Brasil e para o mundo, praticando o exemplo do Butão.
Fonte: Academia Brasileira de Ciências
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado