Ciência e arte para expandir horizontes
O cientista baiano Domingos Cardoso é o novo afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Reconhecido no país e no exterior por suas pesquisas sobre a flora brasileira, sobretudo da Amazônia e da Caatinga, o acadêmico tem Graduação em Ciências, Mestrado em Botânica e Doutorado em Botânica pela Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), com estágio de doutorado sanduíche em Montana State University, EUA. É professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), pesquisador no Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, atuando na Coordenação do Projeto Flora e Funga do Brasil, e credenciado no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Evolução da Ufba, no Programa de Pós-Graduação em Botânica (PPGBot) da Uefs e também no Programa de Pós-Graduação em Botânica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Confira o artigo de Marcos Torres para a ABC sobre o novo acadêmico:
“A ciência contemporânea surgiu como uma atividade da elite econômica e muito dessa origem ainda permanece. Entretanto, essa característica cria uma contradição com a própria função social da profissão. Ora, se o objetivo é a descoberta, quanto deixamos de conhecer ao ficarmos presos aos mesmos grandes centros e classes econômicas? Como vamos classificar toda a fauna e flora brasileira sem adentrarmos o imenso interior do país, por exemplo?
A carreira de Domingos Benício Oliveira Silva Cardoso reitera a importância de se formar pesquisadores em todas as regiões do Brasil. Do sertão da Bahia para o mundo, sua trajetória mostra a capacidade que a ciência tem de transformar vidas enquanto gera conhecimento.
Nascido no município de Tucano, na Bahia, o novo Acadêmico carrega o nome do pai que faleceu antes dele nascer. A mãe, Josefa Oliveira Silva, teve uma saúde difícil, e por vezes teve de buscar tratamento em Salvador, a 300 km de Tucano. A ausência do pai e a distância da mãe poderiam ter deixado uma lacuna na vida de Domingos Cardoso, mas felizmente existiam familiares capazes de preencher esse espaço.
“O homem mais sábio que conheci não sabia ler nem escrever”. É com a famosa frase de Saramago que Domingos descreve o avô, Olavo Ribeiro Silva. A Caatinga e a lavoura em que Olavo trabalhava eram uma grande sala de aula onde ensinava o neto sobre plantas, estações, folclore e histórias daquela terra. A tia Maria da Conceição Oliveira e Silva, a quem chama carinhosamente de Ceiça, supria com muita dedicação a ausência da mãe, e assim foi durante toda sua infância. “Fui uma criança cheia de sorrisos como qualquer outra, graças a presença constante de meu pai-avô e de minha mãe-tia”, conta o Acadêmico.
Domingos Cardoso faz parte de uma geração muito especial de cientistas: aqueles que são os primeiros e únicos da família a terem cursado uma faculdade. Já no ensino fundamental começou a expandir seus horizontes. Os professores Jadilson Pimentel, Urânia Maia e Ana Célia Maia o introduziram nas artes. E foi através da música dedilhada ao violão de sua tia Jeane Oliveira de Santana que primeiro ouviu sobre a Guerra de Canudos. A paixão pela literatura veio através dos ensinamentos e leituras compartilhadas pelo professor Carlos Vagner da Silva Matos, quando o jovem Domingos ainda cursava o ensino médio e arriscava escrever poesias. Mas foi outro mestre, Hélio Maia, que o colocou no caminho das ciências naturais.
No dia em que completou 18 anos, Domingos Cardoso se matriculou no curso de Ciências Biológicas na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Foi bastante ativo nos quatro anos de faculdade, participando de congressos, projetos sociais e lecionando em programas para educação de jovens e adultos. Fez iniciação científica sob orientação de Luciano Paganucci de Queiroz, que resultou em um levantamento da diversidade e distribuição da flora na Serra do Orobó. “Posso afirmar sem receio que tive uma sólida formação educacional e científica durante a graduação, através do compartilhamento de conhecimento com excelentes professores e colegas”, descreveu o cientista.
Manteve a parceria com Paganucci em toda a pós-graduação, sempre na área de sistemática de plantas. Foi nesse período que se casou com Quézia Cavalcante, a quem conhecia desde a adolescência, quando frequentaram as mesmas escolas. Logo depois, porém, os dois tiveram de passar um ano separados enquanto Domingos realizava doutorado sanduíche em Bozeman, Montana, nos EUA, sob orientação de Matt Lavin, outro grande amigo que a academia lhe deu. Ao retornar ao Brasil, a alegria de rever o sorriso da esposa acabou dando lugar à tristeza por perder o sorriso da mãe, que faleceu em 2012. “Quando defendi meu doutorado, me emocionei ao ver meu avô e minha tia sorrindo novamente, depois de tudo”, contou.
A tese defendida, sobre sistemática filogenética molecular de diferentes grupos de plantas da família das leguminosas, ganhou o Prêmio Capes de melhor tese de 2013 na área de biodiversidade. “Foi uma felicidade imensa”, falou sobre o sentimento de ter feito a primeira tese essencialmente em sistemática a levar o prêmio. “Me senti representando uma geração inteira de taxonomistas que há muito se dedicam ao crescimento da botânica brasileira”. Suas pesquisas na área ajudaram na reconstrução de uma nova filogenia e elaboração de uma nova classificação das leguminosas, da qual foi um dos autores principais.
Hoje Domingos trabalha no Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), atuando na Coordenação do Projeto Flora e Funga do Brasil, é credenciado no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Evolução da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e no Programa de Pós-Graduação em Botânica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Tem sido Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq desde 2016 e já foi bolsista da The Royal Society através do programa Newton Advanced Fellowships (2018-2020), para atuar com pesquisador visitante do Royal Botanic Garden Edinburgh (RBGE) na Escócia. Através de análises comparadas da morfologia e da genômica, o pesquisador tem contribuído para documentar e desvendar a evolução da flora brasileira, sobretudo da Amazônia e da Caatinga. As inúmeras expedições de coleta já lhe renderam bons frutos: participou da descoberta e descrição de quatro novos gêneros e 30 novas espécies que permaneciam até então completamente desconhecidos pela ciência.
“Catalogar e reconstruir a evolução da biodiversidade é um dos maiores desafios da botânica no país, principalmente frente às ameaças globais de destruição de florestas e mudanças climáticas”, alerta o Acadêmico. “Se por um lado já avançamos muito o nosso entendimento dos processos ecológicos e biogeoquímicos em larga escala na Amazônia, pouco ainda conhecemos sobre a biodiversidade de plantas, os principais atores do teatro evolutivo desta majestosa floresta”.
Preencher essa lacuna é um dos desafios que move o pesquisador, mas não apenas para a Amazônia. A Caatinga, cuja sazonalidade da seca levou ao desenvolvimento de uma flora com características únicas e peculiares, também ainda é pouco explorada. “Em minha pesquisa atualmente tenho dedicado bastante esforço com a catalogação de plantas nestes dois biomas ecológica e evolutivamente contrastantes”, explicou.
Domingos Cardoso é agora membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências e promete ter voz ativa na ABC quando o assunto for biodiversidade. “Esta eleição representa não apenas uma conquista pessoal, mas também de todo o Instituto de Biologia da UFBA e do PPGBot da UEFS, instituições que tanto me orgulham no cenário da educação científica, social, política e cultural do país”.
Além de cientista, Domingos também é um amante das artes. Capoeirista desde muito jovem, aprendeu cedo a valorizar a cultura brasileira. Ouvinte assíduo de músicas de concerto, jazz e MPB, Domingos Cardoso escuta desde os mestres da Tropicália, Chico César, Elis Regina, Marisa Monte e Zélia Duncan, até sons mais recentes, como os do BaianaSystem e Mayra Andrade. Na literatura, é apaixonado pelo Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa, além de outros mestres das línguas latinas, como José Saramago e Gabriel García Márquez. “Quanto mais trabalho com a biodiversidade de plantas, mais me encanto ao descobrir nas flores tanta arte”, finalizou”.
Fonte: Marcos Torres para ABC
Foto: Academia Brasileira de Ciências