Rir é preciso: conheça a ciência por trás do humor
Sorrisos, risadas e gargalhadas. Todo mundo traz em si a função do humor desde a mais tenra infância. Claro que em algumas pessoas ela está tão escondida que nem parece existir – mas procurando bem, acabamos encontrando. Curioso pelo assunto desde pequeno, e a partir de bases teóricas científicas, Daniel Martins de Barros mostra em seu livro recém-publicado Rir é Preciso a relevância do tema e garante: há ciência por trás do humor. “O riso é um fenômeno físico, com origem neurológica e manifestação corporal”, define o professor da Faculdade de Medicina da USP ao Jornal da USP.
O livro foi produzido durante a pandemia de covid-19, período em que o humor foi “símbolo de resistência”, conforme dizia o comediante Paulo Gustavo, que morreu em 2021 pela mesma doença. Na obra, Barros explora os processos físicos e mentais que caracterizam o riso e afirma que o humor pode ser uma ferramenta para amenizar adversidades da vida e fortalecer relacionamentos, o que levaria o indivíduo a uma melhor saúde física e mental.
SORRISO DE MONA LISA
O livro está dividido em três partes: os aspectos que envolvem o corpo, os que estão relacionados à mente e a sua representação na sociedade. Na primeira parte do livro, o autor faz uma análise de uma das obras artísticas mais famosas do mundo, o quadro de Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. A modelo expressa um singelo e disfarçado sorriso que, na visão do autor, é bastante ambíguo, característica que se revela um dos grandes segredos da obra.
“Por trás de um sorriso, por exemplo, pode haver uma miríade de emoções: alegria, desprezo, vergonha, nervosismo, sedução, deboche, constrangimento e maldade”, relata o autor.
Neste capítulo, é relatado que um grupo de cientistas, com o auxílio de um software de reconhecimento facial, concluiu que no sorriso da Mona Lisa havia 83% de felicidade, 9% de nojo, 6% de assustada e 2% de raiva. Outra equipe de neurocientistas também fez experiência tendo como objeto o quadro. Eles dividiram os lábios do sorriso ao meio e espelharam cada metade, obtendo dois sorrisos diferentes. Em seguida, perguntaram aos voluntários o que eles viam nas duas imagens. Em resposta, 92% das pessoas consideraram que o quadro da direita expressava alegria quando comparado com o da esquerda. Sobre a imagem da esquerda, 83% entenderam que era uma expressão neutra, 12% acharam que tinha cara de nojo e 4,7% interpretaram como tristeza.
DUCHENNE: SORRISO FALSO E SORRISO SINCERO
“O sorriso que tem origem na emoção positiva não se limita à boca”, revela Barros. “Envolve simultaneamente a contração do músculo zigomático principal (na face), que eleva os cantos da boca, e do músculo orbicular do olho, que aumenta as bochechas e forma os pés de galinha ao redor dos olhos.” Essa descoberta foi feita pelo médico neurologista francês Benjamin Amand Duchenne depois de uma longa pesquisa de estudo de expressão facial humana feita com pacientes em seu consultório. Duchenne ficou conhecido como cientista que descreveu a fundo diversos transtornos neurológicos e até hoje é referência no assunto. A distrofia de Duchenne é um desses transtornos que atingem crianças do sexo masculino. Uma doença genética degenerativa e incapacitante que deteriora progressivamente os músculos.
O que Duchenne fez foi registrar em fotografia as expressões faciais de seus pacientes que tinham alguns grupos de músculos do rosto estimulados, induzindo por contrações e, consequentemente, a uma simulação de um sorriso. O resultado obtido dessa experiência foi um sorriso caricatural e pouco convincente, ou seja, um sorriso falso. Intrigado, Duchenne desligou os eletrodos e contou uma piada e aí sim obteve um sorriso largo, alegre e legítimo no rosto de seus pacientes.
Ao avaliar as diferenças entre as imagens, Duchenne descobriu o que distingue um sorriso falso de um verdadeiro. O sorriso sincero, além de simétrico, que se origina de uma emoção positiva, não se limita à boca, conforme descreve em seu livro:
“A emoção de franca alegria é expressa no rosto pela contração combinada do músculo zigomático maior e orbicular do olho (o famoso pé de galinha). O primeiro obedece à vontade, mas o segundo só entra em jogo pelas doces emoções da alma. (…) a alegria falsa, o riso enganoso, não pode provocar a contração deste último músculo. (…) O músculo à volta do olho não obedece à vontade; só entra em ação por um sentimento verdadeiro, por emoção agradável. A sua inércia, ao sorrir, desmascara um falso amigo”.
RISO REDENTOR
Embora o livro traga inúmeras referências que explicam as múltiplas facetas do rir (o que é o riso, como, por que, onde e quando rimos e quem ri do quê), como profissional de saúde mental Barros recomenda mesmo que as pessoas tomem consciência da importância do humor em seu dia a dia. Há vários tipos de sorriso: o de nervoso, o de medo, o sorriso largo, o artificial, o redentor, dentre outros. O humor alivia o estresse, ameniza emoções negativas, nos leva a criar distanciamento das experiências dolorosas imediatas e fortalece relações humanas. Foi o que constatou sobreviventes do Holocausto.
Neste contexto, Barros diz que o poder do sorriso não é necessariamente transitório. A risada não e uma solução mágica, mas aponta para a realidade que está além das circunstâncias imediatas. Ele não é capaz de nos fazer esquecer definitivamente da morte de um ente querido, por exemplo, tampouco de impedi-la, mas pode superar o sofrimento que a morte causou. Para confirmar sua tese, cita um estudo feito com viúvas por pesquisadores da Universidade da Columbia, em Nova York, e da Universidade da Califórnia, ambas nos Estados Unidos. Aquelas que foram capazes de dar risos de Duchenne – os emocionais e verdadeiros – sentiam menos raiva, menos angústia e mais emoções positivas e ainda mantinham relacionamentos melhores com outras pessoas.
NECESSIDADE DE HUMOR
Barros afirma que o humor é uma necessidade porque ele possibilita reduzir a dor da alma, mesmo que por breve momento; também é um instrumento de autopreservação, de comunicação e de criação de vínculos. Um testemunho famoso sobre o uso do humor como forma de autopreservação nos campos de concentração vem do médico Viktor Emil Frankl, neurologista e psiquiatra, prisioneiro de 1942 a 1945, período em perdeu o pai, a mãe e a esposa. Uma das ferramentas essenciais para Frankl lidar com esse terrível momento foi o humor. Ele contava que estimulava os outros que estavam junto com ele a ter a mesma postura. Ele os desafiava a pensar todos os dias em algo engraçado que aconteceria depois que fossem libertados.
SAINDO DA PANDEMIA
A pandemia foi um período de grande estresse para todo mundo – claro que mais para uns do que para outros – mas todos foram afetados de alguma forma. Esse estresse representa, sim, um risco à saúde mental, já que se trata de um desgaste emocional importante. Felizmente não houve o tsunami de transtornos mentais que se chegou a prenunciar, mas a questão ganhou importância e talvez hoje mais gente esteja atenta e buscando tratamento. As eleições foram outro golpe, em parte por conta da polarização, que estimula a raiva, e em parte por conta do terrorismo de parte a parte, que estimula o medo. O que vemos, portanto, são pessoas mais estressadas, cansadas, com mais emoções negativas, mas não necessariamente mais doentes.
Em ambos os contextos o humor pode ser uma ferramenta para lidar com a situação imediata e para reconstrução posterior. Rir durante um problema não precisa ser desrespeitoso – desde que não tripudiemos do sofrimento em si, muitas situações adversas podem ser amenizadas pelo humor. Intuitivamente nós já fazemos isso, como quando num velório contamos casos divertidos que tivemos com a pessoa falecida ou como muitas vezes contornamos uma conversa política mais tensa encontrando pontos que façam nossos interlocutores rirem conosco.
O livro foi pensado para um mundo saindo da pandemia, quando precisaríamos de instrumentos para nos reerguer emocionalmente, levantarmos e seguirmos em frente. O humor é uma excelente forma de autorregulação emocional.
“Rir é preciso” tem 223 páginas, foi publicado pela Editora Sextante em 2021. O autor, Daniel de Barros, é médico, professor e pesquisador no Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Ele mantém ainda os seguintes canais para tratar de assuntos de saúde metal: o podcast Humanamente; o canal no YouTube DanielMartinsdeBarros; e as redes sociais @danielmbarros (Instagram e Twitter).
Mais informações: daniel.barros@usp.br com Daniel Martins de Barros.
Fonte: Jornal da USP – texto Ivanir Ferreira
Foto: USP – arquivo pessoal do autor