Paulo Artaxo aborda o papel do Brasil nas mudanças climáticas
As mudanças climáticas são inequívocas e só temos uma breve janela de oportunidade para garantir um futuro habitável. Foi com essa mensagem que o membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Paulo Artaxo iniciou sua conferência Mudanças Climáticas, seus Impactos no Brasil e a Construção de uma Sociedade Sustentável, no segundo dia da 74ª Reunião Anual da SBPC, sediada na Universidade de Brasília (UnB). Artaxo foi apresentado pelo também Acadêmico Ricardo Galvão, que ganhou notoriedade por sua defesa da independência científica contra ataques do governo federal quando era diretor do INPE.
O CENÁRIO ATUAL
Apesar de a ciência já alertar para a alteração do clima há mais de 50 anos – ou mais de 100 anos, se considerarmos os trabalhos do sueco Svante Arrhenius, que em 1896 já indicavam que o mundo poderia se aquecer em até 5°C –, quase nada de concreto foi feito. Mesmo com o Acordo de Paris e a redução das atividades humanas durante a pandemia, o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que as emissões de gases do efeito estufa (GEE) continuam aumentando a uma taxa de 4% ao ano. “Há menos que zeremos muito rapidamente as emissões, limitar o aquecimento a 2°C será impossível”, lamentou Artaxo, que disse já considerar metas abaixo dos 1,5°C como irrealistas no presente cenário.
Segundo o Acadêmico, que participou da elaboração do relatório, o mundo caminha para ficar em média 3,2°C mais quente, isso se cumprir com o acordado na COP-26. “Mas esse é um cenário otimista”, lembrou, “o caminho atual está nos levando a um aquecimento entre 3,7°C e 4,3°C, em média, comparado com antes da revolução industrial”. É importante lembrar que uma elevação de 3,2 °C global significa um aumento de 4,2°C nos continentes e de 5,6°C nas grandes cidades. “O mundo se tornará um lugar pior para se viver”, resumiu Artaxo.
BRASIL E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Atualmente, o Brasil é o sexto país que mais emite gases do efeito estufa e o quarto maior emissor histórico. Por ser tropical, os efeitos do aquecimento tendem a se exacerbar, com graves consequências sociais e econômicas. As hidrelétricas brasileiras podem ser gravemente afetadas pela alteração na dinâmica das chuvas, e o aumento das secas e o ressecamento do solo representam uma grave ameaça ao agronegócio. Além disso, algumas regiões podem sofrer de forma ainda maior. “O semiárido nordestino pode se tornar árido”, afirmou Artaxo, “imaginem a crise migratória que isso geraria”. Outro problema está na Amazônia. Com o aumento da temperatura e a queda na precipitação, algumas regiões ao leste da floresta já estão deixando de ser sumidouros de carbono para se tornarem fontes de emissão, e o bioma corre o risco de entrar num ciclo vicioso de degradação.
A floresta é ponto chave da questão climática, e, nas palavras do Acadêmico, “nossa maior responsabilidade no momento”. Estima-se que 44% das emissões brasileiras venham do desmatamento, que já atinge quase 20% da área total Amazônica. Na COP-26 o país se comprometeu a zerar a derrubada até 2028, e Artaxo garante que, com governança séria e empenhada, essa meta é absolutamente factível. “Nenhum outro país no mundo tem potencial para reduzir tanto suas emissões em tão pouco tempo, e com enormes benefícios ambientais”, apontou.
Manter a floresta em pé é uma enorme vantagem estratégica brasileira, que pode gerar inclusive ganhos econômicos através do mercado de carbono. O potencial energético eólico e solar, sobretudo do Nordeste, é outra capacidade ainda pouco explorada. O preço dessas tecnologias caiu exponencialmente nas últimas décadas, e países com menores incidências de luz solar e ventos já estão à frente do Brasil nessa área. “Não é mais uma questão econômica ou tecnológica, mas de vontade política”, alertou o Acadêmico.
EVENTOS CLIMÁTICOS EXTREMOS
Nas últimas semanas, o mundo vem acompanhando os efeitos de uma onda de calor extremo que atinge a Europa, causando incêndios de grande extensão na Espanha e um número extraordinário de mortes na Inglaterra. Tragédias como essa estão se tornando cada vez mais comuns no mundo inteiro, e são diretamente relacionadas ao aquecimento do planeta. “Dado um aumento de 4°C na temperatura continental, estima-se que eventos climáticos extremos se tornem trinta e nove vezes mais frequentes e cinco vezes mais intensos”, alertou Artaxo.
Populações de baixa renda são historicamente mais afetadas por esse problema, o que gera uma cruel contradição. Enquanto os 10% mais ricos são responsáveis por metade das emissões de efeito estufa, os 50% mais pobres respondem por apenas 10% das emissões. “Não podemos aceitar que quem não causou o problema pague o preço”, resumiu o Acadêmico.
OBJETIVOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Para Artaxo, o principal objetivo do planeta a curto prazo deve ser o cumprimento dos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela ONU para guiar os esforços de construção do futuro. O combate às mudanças climáticas é o objetivo número 13, mas as ações necessárias perpassam todos os outros, desde a erradicação da pobreza até a redução das desigualdades e a garantia de direitos básicos para todas as pessoas.
O Acadêmico defende que a sociedade humana precisa passar por seis grandes transformações: transição para um consumo sustentável, expansão do acesso às tecnologias digitais, descarbonização da energia, planejamento de cidades sustentáveis, equilíbrio entre produção de alimentos e uso de terras e universalização do acesso à educação e capacitação humana. “A ciência vem cumprindo seu papel, que é encontrar pontes entre as necessidades básicas da humanidade e os limites do planeta”, finalizou.
Fonte: Marcos Torres para a Academia Brasileira de Ciências
Foto: Jardel Rodrigues/SBPC