Tel: (71) 3116-7654 - (71) 98225-3161
secretaria.acbahia@gmail.com

Comissão dos Yanomami debate impactos do garimpo ilegal na reserva indígena

O vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Jailson Bittencourt de Andrade, participou no último dia 26 de abril, por videoconferência, da reunião da Comissão Temporária Externa criada no Senado Federal com a finalidade de acompanhar in loco a situação dos yanomami e a saída dos garimpeiros das terras indígenas. O cientista baiano, membro da Academia de Ciências da Bahia, alertou para a gravidade do mercúrio usado na mineração que contamina a terra Yanomami, que é “exportado” para todo o Brasil e até para o exterior pelo ar, onde a velocidade de transporte é muito rápida. “Os ventos nascem na linha do Equador e vão em direção aos polos. Os que vão para o Norte contornam a Cordilheira dos Andes e descem para todo o país”, explicou Andrade.

A Audiência Pública, conduzida pelo ex-ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, senador astronauta Marcos Pontes, contou também com apresentações de outros especialistas, numa sessão multidisciplinar. O diretor do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, João Valsecchi do Amaral, fez um apanhado geral dos impactos do garimpo ilegal e destacou que qualquer solução, especialmente se abordar a urgente crise sanitária, deve ser elaborada junto com as populações locais envolvidas. Já o consultor legislativo do Senado Israel Lacerda de Araújo, ressaltou que a situação dos Yanomami chegou ao ponto que chegou pela ausência do Estado na região e pela inação relativa à questão, que derivou no crescimento e fortalecimento do garimpo ilegal.

O Acadêmico Antonio José Roque da Silva, diretor do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), também participou por videoconferência. Falando sobre a rastreabilidade do ouro, ele abordou especificamente a prova de origem analítica, isto é, a análise científica de uma peça de um material que pode levar à sua origem. “As peças [sobre as quais se quer informação] são comparadas com amostras obtidas em cada local registrado de extração no país, incluídas num banco de dados que, no caso do ouro, se chama ouroteca. Roque explicou que no CNPEM é aplicada radiação eletromagnética sobre os materiais, e então é observado e analisado como eles se comportam. “No espectro eletromagnético as regiões dos raios ultravioleta e raios x são importantes porque mostram quais são e onde estão os átomos daquele material. Essa informação pode contribuir muito para a rastreabilidade”.

O perito criminal federal Fabio Augusto da Silva Salvador, geólogo, chamou atenção para o fato de que quando se instaura uma crise a ciência é chamada – porque é o método científico que leva a soluções para os problemas de diversas ordens num país. “Quando é feita uma apreensão de material irregular nos perguntam o que é exatamente aquele produto, quanto vale e agora, conforme explicado pelos outros apresentadores, de onde vem aquele produto – no caso, o ouro. Dependendo da origem, sabemos se veio de área regularizada ou irregular. Mas não basta saber: temos que apresentar as provas técnico-científicas para contribuir efetivamente no gerenciamento do problema”, esclareceu.  

Outros aspectos relativos à rastreabilidade do ouro, que deve ser feita desde o garimpo até a Bolsa de Valores, foram levantados pelo superintendente comercial da Casa da Moeda do Brasil Leonardo Abdias, que aprofundou a questão dos selos fiscais, que são fornecidos pela instituição. “O selo fiscal federal está sendo sempre desafiado pelo mercado ilícito, que busca continuamente burlar as regras colocadas. A Casa da Moeda, que é uma instituição de segurança, tem que evoluir constantemente suas tecnologias, que agora é digital e rastreável. E no selo para o ouro agora é incluída agora a sua assinatura química”, relatou Abdias.

A contribuição da ABC

O vice-presidente da ABC, Jailson Bittencourt de Andrade, é químico, professor aposentado (ainda atuante) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), professor titular e pró-reitor de Pós-graduação e Pesquisa do Centro Universitário Senai-Cimatec. Ele contou que nos anos 90 houve uma alerta sobre a descoberta de grandes concentrações de mercúrio no Paraná, longe de toda atividade garimpeira. Isso mostrou que o mercúrio que contamina a terra Yanomami é “exportado” para todo o Brasil e até para o exterior pelo ar, onde a velocidade de transporte é muito rápida. “Os ventos nascem na linha do Equador e vão em direção aos polos. Os que vão para o Norte contornam a Cordilheira dos Andes e descem para todo o país”, explicou Andrade.

O problema é relevante e preocupante porque, de acordo com o cientista, nos seres vivos o mercúrio só tem mecanismo de entrada, não tem mecanismo de saída. “O mercúrio reage com a cisteína, que é um aminoácido que faz parte de várias proteínas. E ao fazer isso ele se fixa, não sai. Os processos para forçar a eliminação são mais danosos do que a intoxicação em si. E não acontece só nos seres humanos, mas em vários seres vivos”. Andrade relatou que alguns estudos que tem sido feitos observando o impacto do mercúrio fora da Amazônia, que utilizam a baía de Todos os Santos e a baía da Guanabara como modelo, mostram que existe mercúrio na atmosfera, na coluna d’água, no sedimento e nos organismos que vivem no sedimento dessas baías e nem têm contato com o ar atmosférico. Portanto, o impacto do mercúrio sobre a população Yanomami é imediato, mas se dá em todo o país, em longo prazo.

Ciência básica: gerar conhecimento para construir desenvolvimento

Jailson de Andrade apontou para outro ponto fundamental: o Brasil não produz nem importa mercúrio. Todo o mercúrio usado – porque é a forma mais prática de minerar – é contrabandeado – que é a forma mais prática de se obter o produto. Para o químico, a questão das fronteiras precisa ser muito bem cuidada. “Porque se o mercúrio parar de entrar no país, já teremos uma boa parte do controle do processo”. E ele não ignora a importância de avançar nas tecnologias para extração de ouro. “Em nossos estudos, feitos no centro de pesquisa Senai-Cimatec, onde atuo, estamos buscando como substituir o mercúrio no processo de recuperação de ouro a partir de areia e outros minerais”, informou.

Para resolver essa parte do problema, Andrade apontou a urgência de uma articulação do Estado brasileiro com os países que fazem parte da bacia Amazônica. “No passado houve uma fiscalização muito forte sobre o mercúrio no rio Madeira e o que se observou foi que o mercúrio nos peixes continuava aumentando porque esse mercúrio era ‘exportado’ do Norte pelos outros rios. Então, mesmo resolvendo a questão nacional, é preciso que haja uma ação conjunta, regional. O Congresso Nacional, através do Senado, em cooperação com os órgãos aqui representados, precisa de ações concertadas”, argumentou.

Ele pontuou que a ABC gostaria de participar da organização de uma grande conferência nacional, seguida de uma grande conferência internacional, em que se debatam essas questões do mercúrio e do garimpo de uma forma bem ampla, científica e tecnológica – “porque não existem respostas simples para perguntas complexas”, destacou Andrade. E comentou que o ouro, decerto, é importante fonte de riqueza para o país. Porém, a Amazônia contém moléculas muito mais valiosas do que o ouro. Por isso, investimentos em ciência, tecnologia e inovação na região podem trazer resultados muito positivos para o seu desenvolvimento socioeconômico e ambiental sustentável e impactar todo o país. “Essa é a importância da ciência básica: gerar conhecimento para construir desenvolvimento.”

Andrade então agradeceu o convite e finalizou: “Essa é a visão que trago da Academia Brasileira de Ciências e colaboradores especialistas no tema. Esperamos que o Senado facilite o financiamento para encaminhar essa questão tão grave e abrangente.”  

Assista a sessão na íntegra no site do Senado e veja as soluções sugeridas

Fonte: Academia Brasileira de Ciências (Elisa Oswaldo-Cruz para ABC)

ACB nas redes sociais

Instagram Facebook YouTube
Apoio