“O que funciona é o exemplo, a inspiração e o propósito
Uma palavra da presidente da Sociedade Brasileira de Microeletrônica e líder do Manna Team, Linnyer Beatrys Ruiz Aylon, neste mês de Março, em que celebramos o Dia Internacional da Mulher.
Linnyer Beatrys Ruiz Aylon é cientista mulher, membro do CATI do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, coordenadora do comitê de microeletrônica do CNPq, membro do Conselho Administrativo da Softex, ex-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação na Universidade Estadual de Maringá, membro do Comitê Gestor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Sistemas Nano e Microeletrônicos (INCT NAMITEC) e a primeira mulher presidente na Sociedade Brasileira de Microeletrônica (SBMicro) em mais de 50 anos.
Neste mês de Março, em que celebramos o Dia Internacional da Mulher, ela tem a palavra para comentar sobre as mulheres atuantes nas áreas de exatas e tecnologias, bem como a ausência de figuras femininas nesse campo e por que exemplo, inspiração e propósito são a tríade para que tal cenário seja mudado.
Sobre a inspiração às meninas para seguirem o sonho de serem cientistas
“Ao longo da minha história, participei de algumas boas iniciativas e recebi prêmios e homenagens. Por exemplo: fui homenageada em Boston em 2013 como uma das 12 cientistas brasileiras com carreiras inspiradoras. Para mim, o que funciona é o exemplo, a inspiração e o propósito. Se as meninas não sentirem que o mundo tech é para elas, de nada adianta as ‘oficinas para elas’”.
“Sou apaixonada pelas histórias de mulheres que contribuíram com a tecnologia tais com: Ada Lovelace, Grace Hopper, Margaret Hamilton, Katherine Johnson. Contudo, pelo que temos vivido, esta geração de meninas em escolas públicas do interior precisa de exemplos atuais, mulheres reais vivendo a história atual!”
“Quero dizer que, quando vou às escolas onde o Manna Team tem atividades (em especial as escolas municipais de cidades com 15 a 70 mil habitantes) e as meninas de 8 a 16 anos que não tinham sonhos ou expectativas me dizem que querem ser cientistas ou me mostram seus protótipos em hardware, eu sinto uma emoção inexplicável porque tenho a certeza de que chegamos no coração.”
“O @manna_team tem muitas cientistas que vão para escolas para mostrar que, apesar de improváveis, somos possíveis. Existimos! E acredite, somos transformadas a cada palestra, aula, oficina ou atividade desenvolvida nas escolas públicas, mas também somos criticadas pelos colegas que nos querem presas nos laboratórios produzindo artigos para gerar curriculum e bons índices para os programas de pós-graduação. Avançar o estado da arte com nossas pesquisas é a nossa principal atividade, mas ela se torna ainda mais grandiosa quando buscamos nas escolas as próximas gerações.”
“Para mim, faz parte do propósito inspirar meninas e mulheres, para não dizer responsabilidade social.”
Alguns dados interessantes sobre mulheres em computação, engenharias e microeletrônica
No mercado de trabalho: no Brasil, apenas 19,3% dos profissionais das engenheiras são mulheres, de acordo com o Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura (CONFEA[1]). Segundo o IBGE, em 2020 mulheres representavam apenas 20% da força de trabalho em tecnologia.
Nas universidades: em 2020, os cursos de graduação das áreas de TICs formaram 44 mil homens e apenas 7 mil mulheres. Ainda sobre as universidades, nelas apenas 14,8% dos estudantes na área de TICs são mulheres. A taxa média de conclusão dos cursos de Engenharia no setor público é de cerca de 60% e, no setor privado, de 40%
Na pesquisa: Na área de ciência da computação, o Brasil tem aproximadamente 425 bolsistas em produtividade pelo CNPq e apenas 20% são mulheres. Na área de microeletrônica, o Brasil tem 86 pesquisadores bolsistas em produtividade na área de microeletrônica pelo CNPq e apenas 11% são mulheres.
Nos projetos de Chips: A SBMicro tem um Programa chamado APCI (Apoio a Projeto de Circuitos Integrados) em Universidades com 696 pesquisadores de 40 universidades, sendo: 211 professores, 138 doutorandos, 192 mestrandos e 155 alunos de graduação (bolsistas iniciação científica ou/e trabalho de conclusão de curso). Deste total, 85 são mulheres, sendo 21 pesquisadoras, 17 doutorandas, 30 mestrandas e 17 graduandas. As participantes do APCI estão distribuídas geograficamente como na tabela abaixo, onde se observa que o Rio Grande do Sul tem destaque quanto à participação de mulheres. A área de projetos é apenas uma das várias áreas da Microeletrônica e certamente há mulheres nas demais áreas, mas ainda em números reduzidos.
Número de mulheres na distribuição geográfica do programa APCI em Microeletrônica | |||||||||||
AM | BA | DF | GO | MG | PB | PR | RJ | RN | RS | SC | SP |
1 | 4 | 7 | 2 | 6 | 1 | 1 | 2 | 7 | 31 | 8 | 15 |
Demanda por profissionais em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC):
Segundo a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom) o mercado de tecnologia terá um déficit de 530 mil profissionais nos próximos anos e nas universidades públicas e privadas o índice de evasão dos cursos de graduação em engenharias e computação só aumenta, em especial, a evasão das estudantes de engenharias e computação.
Sobre o desafio de se ter as cientistas ativas e inspirando outras na universidade
“A ausência de mulheres em microeletrônica, computação e engenharias é um desperdício de talentos e oportunidades para toda sociedade, porque as mulheres apresentam características de trabalho extremamente importantes para essas áreas e que são complementares ao que naturalmente/culturalmente é realizado pelos homens.”
“Então, o assunto não é simplesmente social ou cultural, mas também econômico e financeiro, porque novos negócios disruptivos já poderiam ter surgido e novas soluções inovadoras já poderiam estar disponíveis se houvesse mais mulheres com carreiras em crescimento nas áreas de tecnologia.”
“Contudo, a grande maioria dos líderes e docentes assistem a evasão das estudantes universitárias como se o problema fosse apenas das alunas. Em alguns casos a evasão é provocada pelo isolamento (não tendo outras colegas), truculência e assédio moral em sala de aula, que os departamentos insistem em não tratar. Até existem algumas iniciativas para apoiar as meninas (palestras, reuniões, grupos de apoio), mas isso não lida com a causa, fica tudo na teoria. Então, não é efetivo.”
“Inclusive, quando alguém se levanta para sugerir algumas poucas mudanças práticas que contribuam para minimizar as causas, esse alguém é colocado como um inimigo do sistema. As perseguições e rótulos são imediatamente colocadas, logo, uma professora ou uma aluna em tecnologia não consegue sugerir mudanças e apontar problemas como esses porque se colocaria em uma situação complicadíssima.”
“Com a evasão de meninas dos cursos, ficamos sem um número expressivo de universitárias com chances de se tornarem mulheres com carreiras incríveis em tecnologia, e, assim, não temos como inspirar meninas para os cursos de graduação. Elas ficam sem modelos. E assim temos círculo vicioso onde a procura de meninas por cursos de computação e microeletrônica é baixa; aquelas que entram nas universidades acabam evadindo; formamos poucas mulheres e muitas graduadas desistem da carreira. Quem chega ao topo? Quase nenhuma de nós. Quem pode inspirar outras garotas? Sem uma representatividade expressiva em lugares de liderança, não temos como inspirar, provocar, debater e propor ações e políticas. Não aparecemos para as meninas nas escolas e assim, elas não aparecem nos processos seletivos para as graduações.
Passou da hora da comunidade tratar com serenidade e seriedade um assunto com importância social, cultural e econômica!”
Sobre as peças essenciais para que a jornada continue e inspire mulheres
“Ao longo dessa jornada de líder cientista que decidiu morar em Cianorte, uma das coisas mais sensacionais do meu dia-a-dia é a confiança e a admiração que tenho pelas minhas equipes. Sem elas, nada seria tão bem feito e agradável. Então, aprendi que pessoas conectam e formam pessoas, não importam o que estejam fazendo, a grande missão é mudar para melhor a vida das pessoas, é estar engajado, é gerar sonhos coletivos e contribuir para realizá-los. Crescimento profissional, curriculum, cargo, salário, artigos publicados, homenagens, etc. são resultados da excelência na execução das tarefas e não o objetivo da jornada.”
As pessoas sempre perguntam: como você conseguiu?
“Eu ainda não consegui! Ainda somos poucas mulheres em TICs, ainda existem meninas sem sonhos, ainda temos um país precisando de nós, ainda existem mulheres convencidas de que não estão prontas! E é por isso que o @manna_team tem a responsabilidade de tratar desse assunto e vir a público expressar suas ideias, para que sejamos muitas e para que muitos venham conosco”.
Deus sempre esteve em tudo e assim segui aprendendo nas minhas mais diferentes funções e oportunidades. Tive e tenho muito apoio, aceito conselhos, sugestões e estou sempre disposta a mudar para melhor. Meu olhar está sempre atento para minhas colegas, alunas, amigas e outras mulhres. Tenho amigos que torcem e que me dão muita força e afeto, algo tão importante. Também tive que aprender depois de muito sofrimento a me blindar da insegurança das pessoas que criticam e se opõem sem inteligência, apenas pelo prazer de ‘estragar’.”
“O caminho para o sucesso é a felicidade, a fé e a companhia de pessoas simples e fantásticas. Deus me deu tudo isso e é sempre tempo de multiplicar!”
Fonte: CNPq
FOTO: CNPQ