Drones e modelagem 3D auxiliarão a recuperação de florestas
Pesquisador da USP desenvolve protocolo com ferramentas acessíveis e eficientes para aprimorar o monitoramento da restauração de áreas degradadas.
A popularização dos drones comerciais, das inteligências artificiais e dos softwares de modelagem 3D permitiram o desenvolvimento de um novo método para controlar áreas de reflorestamento. Durante seu doutorado no Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, o engenheiro florestal e pesquisador Rafael Walter de Albuquerque criou um procedimento mais rápido e capaz de enriquecer os tradicionais.
O trabalho foi desenvolvido no Laboratório de Análise e Modelagem Espacial (SPAMLab) da USP e teve a colaboração do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), da Universidade Federal de Goiás (UFG). É a primeira vez que esses novos recursos são usados conjuntamente para acompanhar a qualidade de florestas secundárias. ou seja, que passaram por regeneração. Durante a pesquisa, foram avaliados projetos de restauração na Mata Atlântica, em Extrema (MG), São José dos Campos (SP) e Miguel Pereira (RJ); e na Amazônia, em Apui (AM) e Porto Velho (RO).
“Toda restauração demanda um monitoramento. Assim como nós temos que monitorar o nosso organismo, que é complexo,— temos que fazer exames periodicamente, principalmente quando a idade avança, para garantir que está tudo em ordem —, quando nós estamos recuperando a floresta, precisamos visitá-la periodicamente para ver se os dados dela estão bons e se será preciso tomar uma atitude ou não”, conta Rafael Albuquerque ao Jornal da USP.
O aplicativo e o método desenvolvidos na pesquisa poderão ser utilizados gratuitamente por profissionais com pouco treinamento, bastando que sigam o guia que será lançado em livro até o final do primeiro semestre de 2023 pelo Pacto pela Restauração da Mata Atlântica em parceria com a Aliança pela Restauração na Amazônia. “Nós acreditamos que esse trabalho vai ajudar o País, porque muitos profissionais, universidades e empresas precisam consultar como se faz o uso de drones e de imagens de satélite para monitorar a restauração florestal na Amazônia e na Mata Atlântica, e esse conhecimento estava muito pulverizado”, justifica o engenheiro, que coordenou o grupo de especialistas responsável.
Utilizando um drone considerado de baixo custo, o pesquisador coletou imagens que foram processadas em um software de modelagem tridimensional. Além disso, ele trabalhou em um algoritmo de aprendizado de máquina para identificar, por ora, duas espécies de árvores que são importantes indicadores da qualidade das florestas: lacre e embaúba. “Para cada espécie, precisa ser feito um trabalho científico robusto. Como são centenas de espécies nos dosséis [coberturas das árvores], serão centenas de milhares de trabalhos a serem feitos”. A pedido de ecólogos, considerou-se estudar primeiramente essas duas, por uma indicar que a floresta está saudável e outra indicar que está comprometida.
O dossel é a camada superior das árvores que forma uma cobertura sobre a mata quando as copas das árvores se tocam. Depois que ele se forma, algumas espécies crescem verticalmente em busca de luz solar. O mapeamento dessas informações é um desafio técnico, mas Rafael Albuquerque afirma que o drone desempenha muito bem essa atividade. Embora a fotogrametria aérea e a matemática utilizada já existissem há décadas, os drones e a capacidade de processamento dos computadores atuais aceleram e barateiam o procedimento.
O professor Carlos Grohmann, que orientou a pesquisa no IEE, explica ao Jornal da USP que, em áreas degradadas, os engenheiros ambientais precisam acompanhar o reflorestamento ao longo do tempo: “A ideia foi usar o drone para facilitar esse processo com voo em grade, em que o drone vai e volta. Um aplicativo calcula os voos para que eles tenham uma sobreposição predeterminada de no mínimo 80%. Com um conjunto de fotos de sobreposição muito grande, nós conseguimos refazer tridimensionalmente aquela área”. O método é conhecido como Structure from Motion with Multi View Stereo (SfM-MVS), cuja proposta é modelar superfícies e objetos a partir do movimento.
A restauração de áreas florestais é uma tarefa essencial para preservar a biodiversidade e melhorar a qualidade de vida na região, garantindo, por exemplo, a qualidade das águas consumidas nas cidades. É nesse sentido que o Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/2012) exige que os produtores agrícolas façam a conservação ambiental e, eventualmente, a restauração florestal da mata danificada pela ação humana.
FERRAMENTA ACESSÍVEL
O pesquisador explica que tanto a criação de projetos de restauração florestal pelos profissionais contratados por agricultores quanto a avaliação pelos órgãos de fiscalização é uma tarefa árdua: “As florestas foram um produto de evolução de bilhões de anos, então restaurá-las é no mínimo uma tarefa complexa. O desafio é grande porque o Brasil é um país predominantemente tropical e as florestas tropicais têm uma biodiversidade muito maior do que uma floresta da zona temperada.”
Os drones equipados com câmeras conseguem capturar fotos de alta resolução espacial. Trabalhadas com os recursos apropriados, essas imagens geram dados precisos sobre a vegetação. Agora, através do método desenvolvido, será viável medir com precisão o crescimento horizontal da vegetação, como a área desmatada e a cobertura do dossel, e o crescimento vertical, como a densidade e a altura das árvores. É possível inclusive calcular a quantidade de árvores e, consequentemente, a quantidade de biomassa, o que possibilita seu monitoramento ao longo do tempo. Isso significa que os drones são eficazes para coletar dados estruturais da área.
A tecnologia de mapeamento 3D já é usada para criar modelos digitais precisos de edifícios, paisagens e até mesmo de pessoas. Os objetos são fotografados em ângulos diversos. Dessas diversas imagens de duas dimensões são marcados os pontos de correspondência entre as imagens, que por sua vez são transformados em uma nuvem de pontos digital tridimensional colorida. Outra vantagem do método é que ele não se baseia em pedaços amostrais da floresta, mas sim em toda a área monitorada e de forma mais veloz.
Trata-se de uma tecnologia acessível também para o poder público, uma vez que muitos órgãos de fiscalização já possuem drones e os levantamentos mais tradicionais são dispendiosos. Ainda que não seja possível abrir mão de determinados dados coletados com trabalho de campo convencional, o novo método promove transparência, é acessível e não exige grandes investimentos em treinamento, tornando a metodologia mais democrática.
Mais informações: e-mail rafael.albuquerque@alumni.usp.br, com Rafael Walter de Albuquerque
Fonte: Jornal da USP – Texto: Ivan Conterno
Foto: Jornal da USP – Marcos Santos – USP Imagens