Quais são os desafios do próximo governo na área da ciência?
Leia entrevista dos cientistas Helena Nader (presidente da ABC) e Alexander Kellner (foto) para o TecMundo.
A ciência brasileira precisa de ações emergenciais. A redução do investimento na área nos últimos anos está levando mais cientistas brasileiros a buscarem uma carreira de pesquisador em outros países, e a falta de dinheiro para manutenção de universidades públicas e outras instituições de pesquisa faz com que laboratórios e equipamentos parem de funcionar ou tenham sua capacidade reduzida.
Segundo um levantamento divulgado em julho deste ano, feito pelo SoU_Ciência (Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência) e o Instituto Serrapilheira, entre 2018 e 2022, 19 de 22 Unidades Orçamentárias que administram recursos na área da ciência tiveram queda no orçamento líquido.
De acordo com o mesmo levantamento, entre 2018 e 2021, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) teve um corte de 42,19% nos recursos; o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), entidade federal de incentivo à pesquisa, teve uma queda no orçamento de 64,92% entre os anos de 2013 e 2021.
Para reverter esse quadro, cientistas defendem que um próximo governo faça a retomada dos investimentos e o aumento nos valores das bolsas de pós-graduação — sem reajuste há cerca de dez anos — como maneira de manter jovens cientistas na carreira e no país.
“Temos um déficit orçamentário grande. Nas universidades federais, teve queda no dinheiro para pagar as contas do dia a dia, como as contas de água e luz e a manutenção. Os recursos para reformas caíram 96% nos últimos cinco anos; os prédios estão se deteriorando e surgem riscos de segurança”, diz Soraya Smaili, coordenadora do SoU_Ciência.
Segundo Smaili, que é farmacêutica e cientista, a falta de financiamento faz com que laboratórios de pesquisa não produzam tanto quanto poderiam, ou precisem até ser fechados, pelo menos temporariamente.
“Existe uma situação de muito abandono da área científica. A ciência não é devidamente valorizada, e a situação emergencial é generalizada”, afirma Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional, ligado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Para Kellner, um dos paleontólogos de maior destaque do Brasil, ações urgentes são necessárias para estancar a fuga de cérebros (termo que diz respeito à evasão de cientistas brasileiros, que vão buscar carreira de pesquisador no exterior).
O cientista reforça que é preciso fazer um aumento substancial nos valores pagos pelas bolsas de pós-graduação no país.
A pós-graduação stricto sensu (programas de mestrado e doutorado), é a principal maneira de se formar novos cientistas no Brasil. Nesses cursos, feitos na maior parte em instituições públicas como as universidades federais, os estudantes colocam o método científico em ação — planejam uma pesquisa para resolver um problema, fazem os experimentos e registram os resultados, que podem gerar novos conhecimentos e até produtos inovadores.
Dados de um relatório publicado em 2021 pelo Observatório em Ciência, Tecnologia e Inovação (OCTI) e pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) mostram que a produção científica brasileira, a 13ª maior do mundo, cresceu 32,2% entre os anos de 2015 e 2021 — já em um cenário de corte de gastos na área.
Mesmo com uma produção crescente em panorama adverso, as bolsas que são pagas pelo CNPq (principal instituição de incentivo à pesquisa no país) aos estudantes de pós-graduação não têm reajuste no Brasil há cerca de 10 anos. Segundo a tabela, o valor pago a um aluno do mestrado é de R$ 1.500, e a bolsa de um estudante de doutorado é de R$ 2.200.
O investimento na infraestrutura, com a recuperação de laboratórios e outros espaços que promovem a pesquisa científica, também é apontado como prioridade por Kellner e outros cientistas ouvidos pelo TecMundo.
Em setembro de 2018, um incêndio destruiu boa parte do acervo e do prédio do Museu Nacional, uma das instituições científicas mais antigas do país. “É fato que o Museu Nacional ficou abandonado por muito tempo, pegou fogo e perdemos muitas coisas que não conseguimos recuperar”, afirma Kellner.
“É fundamental que haja o entendimento de que nosso patrimônio científico e cultural não pode ser abandonado. É preciso pensar seriamente em proteger o que tem valor científico. O Museu Nacional deve ser olhado com carinho; ele pertence à sociedade brasileira”, acrescenta o cientista.
O QUE OS CIENTISTAS ESPERAM DO PRÓXIMO GOVERNO?
Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), afirma que é urgente respeitar a constituição. “Nós temos legislações que garantem que a ciência e a educação são prioridades”, diz.
Para a biomédica e cientista, a pesquisa ocupa papel estratégico no desenvolvimento de um país, e o Brasil está ficando para trás ao deixar de investir na área. “Falta uma visão estratégica de nação. Sem ciência e educação não vamos sair da crise”, afirma.
Segundo Nader, o desenvolvimento científico pode tirar o Brasil da dependência extrema da tecnologia estrangeira. Setores como saúde, energia, agricultura e pecuária se beneficiariam de maiores investimentos em ciência. “Não vamos ser autossuficientes em tudo, mas podemos ser em algumas coisas”, diz.
“Esperamos que o novo governo tenha o entendimento de que ciência não é gasto, é investimento. Sem ciência, não tem futuro para o país; é preciso gerar ciência e agregar valor ao que produzimos”, afirma Kellner, do Museu Nacional.
Soraya Smaili, do SoU_Ciência, diz que a pandemia do coronavírus evidenciou a importância do que a ciência pode produzir, desde vacinas a tecidos especiais para máscaras de proteção facial.
Para que essas soluções continuem sendo apresentadas à sociedade, porém, os investimentos precisam ser feitos, diz a cientista. “Eu vejo, no futuro, um governo que valoriza a ciência e o ensino superior para retomar os investimentos e recuperar uma capacidade que já existe, em um sistema que já mostrou ser capaz de produzir conhecimento e soluções”, conclui a pesquisadora.
O QUE DIZEM OS PLANOS DE GOVERNO DOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA?
Embora os planos de governo dos principais candidatos na corrida presidencial citem a importância dos investimentos em ciência, faltam propostas mais concretas para a área nos documentos. O reajuste das bolsas de pós-graduação, uma das principais demandas dos pesquisadores, por exemplo, não aparece em nenhum momento.
O primeiro turno das eleições para presidente acontece no dia 2 de outubro. Caso haja um segundo turno, será realizado no dia 30 de outubro. No primeiro turno, os eleitores também devem escolher seus candidatos para os cargos de governador, senador, deputado estadual e deputado federal — os três últimos parte do poder legislativo, que faz as leis.
Helena Nader, da ABC, afirma que esse voto também define os rumos que a ciência do país vai tomar. “As pessoas precisam entender que quando votam para o cargo de deputado, estão dando uma procuração para que o candidato fale em nome delas. Precisamos cobrar as ações porque o dinheiro que será usado é nosso”, diz a cientista.
Fonte: Academia Brasileira de Ciências / TecMundo
Foto:Alexander Kellner – AgênciaSenado