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Paulo Artaxo aborda o papel do Brasil nas mudanças climáticas

O acadêmico proferiu palestra na 74ª Reunião Anual da SBPC.

O CENÁRIO ATUAL 

Apesar de a ciência já alertar para a alteração do clima há mais de 50 anos – ou mais de 100 anos, se considerarmos os trabalhos do sueco Svante Arrhenius, que em 1896 já indicavam que o mundo poderia se aquecer em até 5°C –, quase nada de concreto foi feito. Mesmo com o Acordo de Paris e a redução das atividades humanas durante a pandemia, o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que as emissões de gases do efeito estufa (GEE) continuam aumentando a uma taxa de 4% ao ano. “Há menos que zeremos muito rapidamente as emissões, limitar o aquecimento a 2°C será impossível”, lamentou Artaxo, que disse já considerar metas abaixo dos 1,5°C como irrealistas no presente cenário.

Segundo o Acadêmico, que participou da elaboração do relatório, o mundo caminha para ficar em média 3,2°C mais quente, isso se cumprir com o acordado na COP-26. “Mas esse é um cenário otimista”, lembrou, “o caminho atual está nos levando a um aquecimento entre 3,7°C e 4,3°C, em média, comparado com antes da revolução industrial”. É importante lembrar que uma elevação de 3,2 °C global significa um aumento de 4,2°C nos continentes e de 5,6°C nas grandes cidades. “O mundo se tornará um lugar pior para se viver”, resumiu Artaxo.

BRASIL E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS 

Atualmente, o Brasil é o sexto país que mais emite gases do efeito estufa e o quarto maior emissor histórico. Por ser tropical, os efeitos do aquecimento tendem a se exacerbar, com graves consequências sociais e econômicas. As hidrelétricas brasileiras podem ser gravemente afetadas pela alteração na dinâmica das chuvas, e o aumento das secas e o ressecamento do solo representam uma grave ameaça ao agronegócio. Além disso, algumas regiões podem sofrer de forma ainda maior. “O semiárido nordestino pode se tornar árido”, afirmou Artaxo, “imaginem a crise migratória que isso geraria”. Outro problema está na Amazônia. Com o aumento da temperatura e a queda na precipitação, algumas regiões ao leste da floresta já estão deixando de ser sumidouros de carbono para se tornarem fontes de emissão, e o bioma corre o risco de entrar num ciclo vicioso de degradação.

A floresta é ponto chave da questão climática, e, nas palavras do Acadêmico, “nossa maior responsabilidade no momento”. Estima-se que 44% das emissões brasileiras venham do desmatamento, que já atinge quase 20% da área total Amazônica. Na COP-26 o país se comprometeu a zerar a derrubada até 2028, e Artaxo garante que, com governança séria e empenhada, essa meta é absolutamente factível. “Nenhum outro país no mundo tem potencial para reduzir tanto suas emissões em tão pouco tempo, e com enormes benefícios ambientais”, apontou.

Manter a floresta em pé é uma enorme vantagem estratégica brasileira, que pode gerar inclusive ganhos econômicos através do mercado de carbono. O potencial energético eólico e solar, sobretudo do Nordeste, é outra capacidade ainda pouco explorada. O preço dessas tecnologias caiu exponencialmente nas últimas décadas, e países com menores incidências de luz solar e ventos já estão à frente do Brasil nessa área. “Não é mais uma questão econômica ou tecnológica, mas de vontade política”, alertou o Acadêmico.

EVENTOS CLIMÁTICOS EXTREMOS 

Nas últimas semanas, o mundo vem acompanhando os efeitos de uma onda de calor extremo que atinge a Europa, causando incêndios de grande extensão na Espanha e um número extraordinário de mortes na Inglaterra. Tragédias como essa estão se tornando cada vez mais comuns no mundo inteiro, e são diretamente relacionadas ao aquecimento do planeta. “Dado um aumento de 4°C na temperatura continental, estima-se que eventos climáticos extremos se tornem trinta e nove vezes mais frequentes e cinco vezes mais intensos”, alertou Artaxo.

Populações de baixa renda são historicamente mais afetadas por esse problema, o que gera uma cruel contradição. Enquanto os 10% mais ricos são responsáveis por metade das emissões de efeito estufa, os 50% mais pobres respondem por apenas 10% das emissões. “Não podemos aceitar que quem não causou o problema pague o preço”, resumiu o Acadêmico.

OBJETIVOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 

Para Artaxo, o principal objetivo do planeta a curto prazo deve ser o cumprimento dos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela ONU para guiar os esforços de construção do futuro. O combate às mudanças climáticas é o objetivo número 13, mas as ações necessárias perpassam todos os outros, desde a erradicação da pobreza até a redução das desigualdades e a garantia de direitos básicos para todas as pessoas.

O Acadêmico defende que a sociedade humana precisa passar por seis grandes transformações: transição para um consumo sustentável, expansão do acesso às tecnologias digitais, descarbonização da energia, planejamento de cidades sustentáveis, equilíbrio entre produção de alimentos e uso de terras e universalização do acesso à educação e capacitação humana. “A ciência vem cumprindo seu papel, que é encontrar pontes entre as necessidades básicas da humanidade e os limites do planeta”, finalizou.

Fonte: Marcos Torres para a Academia Brasileira de Ciências

Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

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