Cidacs/Fiocruz Ba lança Índice de Desigualdades Sociais para Covid-19
O estudo mostra um Brasil mais desigual, com uma taxa de mortalidade superior em municípios classificados no pior nível de desigualdade social em saúde.
“As desigualdades que já existiam previamente foram aguçadas. É muito importante que a gente consiga mensurar as desigualdades, aprender, criar soluções e não repetirmos os mesmos erros”, destaca Claude Pirmez, pesquisadora titular da Fiocruz e gerente do Programa Grand Challenges Brazil.
Segundo o IDS-COVID-19, o Brasil entrou no período da pandemia já com uma ampla desigualdade entre as regiões. Na primeira medida, com dados de fevereiro de 2020, antes da pandemia, 98% dos municípios da região Norte estavam nos agrupamentos 4 e 5, os dois piores grupos classificados pelo IDS-COVID-19. Na região Sudeste, eram 35% dos municípios e no Sul, apenas 7%.
A diretora do Instituto Gonçalo Moniz (IGM/Fiocruz Bahia), Marilda Gonçalves, destacou o grande volume de contaminados e de óbitos diários e ressaltou a importância do IDS-COVID-19. “Estamos em uma situação trágica que se acentuou nesse período. A liberação desse índice deve ajudar para criação de políticas públicas importantes para que possamos tomar medidas sobre o que está acontecendo”, afirma.
Outro tema que foi um consenso entre as pessoas convidadas para o evento é a situação atual da pandemia no Brasil. “A pandemia não acabou. Estamos morrendo muito de Covid-19. É muito importante caracterizar as populações, identificar quais os territórios estão acontecendo isso”, defende Felipe Ferré, assessor técnico do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).
Para Maria Yury Ichihara, coordenadora do projeto de pesquisa que construiu o IDS-COVID-19, um dos diferenciais da nova medida é o seu ineditismo. “Outros países desenvolveram algumas medidas de vulnerabilidade social para Covid-19, como o Quênia e a Índia. Mas não existe uma medida que avalie a desigualdade social em saúde para Covid-19 no Brasil”, contextualiza. Ainda de acordo com ela falta um estudo em analise como a Covid-19 afetou mais fortemente diferentes subgrupos populacionais.
“Este tem sido o grande movimento do Cidacs, no sentido de entender os efeitos perversos das desigualdades em saúde em toda sua adversidade e como a adoção de políticas amenizam essas dificuldades”, explicou Mauricio Barreto, coordenador do Cidacs.
COMO O ÍNDICE FOI CONSTRUÍDO?
O IDS-COVID-19 foi calculado com base em dados socioeconômicos, sociodemográficos e de acesso aos serviços de saúde. Os pesquisadores exploraram bases de dados do Censo Demográfico do IBGE de 2010, bem como do Cadastro Nacional dos Equipamentos de Saúde (CNES) e do Índice Brasileiro de Privação (IBP), que leva em consideração a renda, educação e condições de domicílio.
Foram definidas variáveis que mais se relacionavam com as desigualdades sociais em saúde na Covid-19, entre 51 indicadores que foram avaliados pela equipe de pesquisadores. Os domínios que compõem o IDS-COVID-19, além das informações do IBP, são o percentual de população residente em domicílios com densidade domiciliar maior que 2, o percentual de idosos em situação de pobreza e o percentual de pretos, pardos e indígenas.
“Esperamos que o IDS-COVID-19 possibilite compreender a situação das desigualdades sociais em saúde pré-existentes e sua evolução em três momentos da pandemia identificando as populações mais vulnerabilizadas”, sentenciou Maria Yury.
DESIGUALDADES SOCIAIS EM SAÚDE SE APROFUNDAM NA PANDEMIA
Após a primeira onda da pandemia de Covid-19, somente 3% dos municípios da região Norte conseguiram reduzir as condições de desigualdades em saúde, segundo dados do IDS-COVID-19. Em uma comparação com municípios da região Sul, por exemplo, 8% deles apresentaram redução das desigualdades. “Houve uma pequena redução nos diferentes momentos calculados, mas os municípios do Norte e Nordeste já estavam em uma posição de alta e muita desigualdade”, explica Rosemeire Fiaccone, pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e membro da equipe que construiu o IDS-COVID-19.
Na região Nordeste, a realidade medida pelo IDS-COVID-19 não foi diferente. Em fevereiro de 2020, quase todos os municípios, 99%, estavam nos dois piores grupos com relação à situação de desigualdades sociais em saúde. Ao longo da pandemia, a região apresentou uma ligeira redução nessa condição com 95% em julho de 2020, 93% em março de 2021 e 92% em janeiro de 2022. “Os investimentos talvez não tenham sido suficientes para reduzir essas desigualdades que já existiam no período anterior a pandemia”, demonstrou Rosemeire.
No Sudeste, há mais municípios na condição de menor desigualdade. Segundo o IDS-COVID-19, cerca de 35% estavam nos dois grupos com a pior desigualdade antes da pandemia. No Sul, não existia nenhum município no grupo com a maior desigualdade. O IDS-COVID-19 permite análises macrorregionais, estaduais, por microrregiões e por regiões de saúde. É possível navegar em um painel de visualização para explorar os dados e baixar uma planilha com dados simplificados do Índice em https://cidacs.bahia.fiocruz.br/idscovid19/
Outra análise importante foi a relação entre o IDS-COVID-19 e a taxa de mortalidade acumulada em agrupamentos de municípios com perfis semelhantes. “A gente tem uma evidência entre maior desigualdade em saúde medida pelo IDS-COVID-19 e o aumento da mortalidade medida na primeira onda”, explicou Rosemeire.
Envolvimento de públicos na pesquisa é um marco do IDS-COVID-19
Uma das características do processo de construção do IDS-COVID-19 foi a participação de diferentes segmentos sociais ao longo da pesquisa, um movimento guiado pelo conceito de engajamento público da ciência. “Este esforço do Índice é a própria cara do SUS. Ele também é gerido pelos Secretários de Saúde, mas tem a figura do Conselho Nacional de Saúde, da participação do controle social, que é muito importante e a sociedade civil está junto conosco”, destacou Felipe.
Para Sally Boylan, gerente de programas e projetos no Health Data Research UK (HDR UK), a participação de diferentes públicos foi importante para modelar o projeto em vários estágios. “A questão de pesquisa em si tem o tema da equidade em seu cerne e o trabalho levou a inovações e resultados com potencial para um impacto claro e positivo na política e intervenções de saúde direcionadas para proteger os mais vulnerabilizados”, declarou.
Débora Olímpio, que representou o grupo de membros de organizações da sociedade civil que participa do projeto, falou sobre como o IDS-COVID-19 poderá ser útil para este público. “O projeto é uma grande oportunidade para que a gente tenha um marcador em que para que possamos incidir em políticas públicas e nas gestões para saber quais foram as populações que foram mais atingidas pela Covid-19”, afirmou.
O coordenador do Cidacs, Mauricio Barreto, também destacou a importância do envolvimento na pesquisa que desenvolveu o IDS-COVID-19. “O índice nasce na conversa não apenas técnica, mas também na interação com importantes membros de diferentes setores da sociedade, que participaram e influenciaram na criação dele”, disse.
O processo de engajamento público no IDS-COVID-19 está sendo registrado em uma série documental com quatro episódios. A série Além do distanciamento: Diálogos para entender as desigualdades na pandemia de Covid-19 será lançado em novembro de 2022.
Fonte: Cidasc/Fiocruz Bahia