Projeto estuda como potencializar o crescimento da cana de açúcar
Atualmente, o INCT é composto por 15 laboratórios. Do projeto do RCGI participam alguns desses laboratórios, sendo eles o Laboratório de Fisiologia Ecológica de Plantas (Lafieco), criado por Buckeridge em 2005, e o Laboratório de Biologia Celular de Plantas (Biocel), ambos situados no IB-USP, além do Laboratório de Genética Molecular de Plantas, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e o Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), no campus Piracicaba da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP).
“O primeiro passo do trabalho será sequenciar o genoma da cana de açúcar em nível cromossômico para assim termos o mapa de genes da planta”, diz Buckeridge. “O genoma é dividido em cromossomos e os genes que coordenam funções biológicas estão espalhados entre eles. Para entender como o crescimento vegetal é coordenado, é necessário conhecer as posições exatas de cada gene ativado durante o crescimento”
Trata-se de um grande desafio, segundo o pesquisador. “Ao contrário do ser humano que possui duas cópias do genoma em cada célula ou mesmo do trigo com quatro cópias em cada célula, o genoma da cana de açúcar é extremamente complexo por ter entre oito e 12 cópias por célula. Isso acontece porque a cana de açúcar é um híbrido resultante de uma combinação de duas espécies de gramíneas originárias da China. O híbrido, que chamamos de cana de açúcar, vem sendo modificado geneticamente desde o século XVI para se adaptar às condições do local de plantio. Ele é praticamente um Frankenstein”, brinca Buckeridge. “A questão é que isso complica o trabalho dos cientistas, já que é difícil descobrir qual genoma é responsável por determinada função”.
No trabalho será utilizado um sistema desenvolvido por um dos integrantes da equipe do projeto, Diego Riaño-Pachón, professor do Cena-USP. “Ele criou um modelo de três métodos distintos que será de grande valia para conseguirmos chegar ao sequenciamento do genoma da cana em nível cromossômico”, diz Buckeridge. “A ideia desse modelo é combinar estratégias de sequenciamentos clássicos com uma moderna técnica de sequenciamento físico (PacBio) que permite obter sequências de grandes fragmentos do DNA da cana. Dessa maneira, será possível sobrepor entre si esses pedaços grandes do DNA e entender onde começam e terminam os cromossomos. Além disso, as outras duas técnicas de sequenciamento poderão ser sobrepostas e, em conjunto, as três técnicas deverão prover uma precisão inédita do genoma da cana”.
De posse do mapeamento genético da planta, o próximo passo é observar em conjunto os hormônios e o sistema sensor de açúcares da planta para conseguir entender de que forma acontece o crescimento da cana, bem como sua produção de sacarose. “Graças a uma pesquisa realizada pelo Lafieco, em 2018, descobrimos que entre três e seis meses de vida a cana passa a ser uma grande armazenadora de açúcar, sobretudo por causa de um conjunto de genes que são chamados de sistema sensor de açúcares. É durante esse período que o crescimento da planta dispara”, conta Buckeridge. “Agora queremos investigar mais a fundo esse processo para entender como ele acontece. Mas só vamos conseguir fazer isso se também observarmos os hormônios, responsáveis pelo sistema de comunicação que informa a planta que está na hora de crescer. Essa etapa será feita com a colaboração da professora Eny Floh, do Biocel-IB-USP”.
Para que essa análise seja possível, os pesquisadores vão lançar mão da CRISPR-Cas9, sigla para Conjunto de Repetições Palindrômicas Regularmente Espaçadas, que funciona com uma proteína associada, a Cas. Trata-se de uma ferramenta de edição de genomas desenvolvida pela microbiologista francesa Emmanuelle Charpentier e a bioquímica norte-americana Jennifer Doudna, que graças ao feito venceram o Prêmio Nobel de Química em 2020. “Não vamos desenvolver uma planta transgênica, porque a edição elimina a necessidade de inserir genes estranhos à cana de açúcar. No caso, basta editar o DNA, em uma espécie de cut and paste de genes, para alterar regiões selecionadas do genoma e assim reengenheirar o funcionamento da planta. Uma vez editado o DNA, passamos a selecionar os mutantes desejados que cresçam mais rápido, acumulem mais açúcares e/ou amoleçam as próprias paredes celulares para tornar a produção da segunda geração do bioetanol mais fácil”, explica Buckeridge.
O aumento da produção de açúcar e também do volume de biomassa da cana (no caso, bagaço e palha) vai possibilitar produzir o chamado etanol de segunda geração, entre outros produtos. “Esse resíduo pode ser fermentado e aumentar em até 40% a produção de etanol no país. Além disso, é possível aproveitar polímeros presentes nas fibras da cana de açúcar, a exemplo do betaglucano, que pode ser utilizado em cosméticos antirrugas, como complemento alimentar e também pela indústria farmacêutica por ser um potente antidiabético”, conta Buckeridge.
Ao longo do projeto, os experimentos serão testados por meio de modelagem matemática. “Por meio de cálculos com base em dados científicos confiáveis, a modelagem fisiológica acoplada aos dados ambientais utilizando inteligência artificial deverá permitir averiguar como nossos testes feitos em laboratório funcionariam em campo e também de que forma a cana de açúcar vai se comportar em ambientes extremos, com estresse hídrico, aumento de temperatura e excesso de gás carbônico, por exemplo”, esclarece Buckeridge.
Novas matérias-primas – Além da cana de açúcar, o projeto vai trabalhar com outras duas matérias-primas. Uma delas consiste nas lentilhas d´água (como a Lemna minor por exemplo), plantas aquáticas da família das Araceae, a mesma dos lírios e pacovás. “As lentilhas d´água são minúsculas e crescem tão rápido quanto a cana. Podem ser usadas para produzir bioetanol, pois produzem biomassa em grande quantidade sem precisar de terra. Para completar, essas plantas combatem a poluição da água, podem ser usadas como complemento alimentar e produzem substâncias que têm potencial para serem utilizadas no desenvolvimento de medicamentos contra a Covid-19”, prossegue Buckeridge.
A equipe do projeto também vai estudar o resíduo de soja. “No Brasil, ele é produzido em maior quantidade do que o bagaço de cana. Nossa ideia é descobrir novos usos para esse material. Estamos aprendendo rápido sobre como a soja brasileira responde ao elevado dióxido carbônico atmosférico combinado com estresse hídrico e alta temperatura”, relata o pesquisador. “Já sabemos que há mudanças importantes na composição química. Para a soja, teremos que seguir um caminho similar ao da cana e aprender como a sua composição irá mudar com as mudanças climáticas globais de forma a aproveitar ao máximo esta biomassa de grande valor para o Brasil”, conclui Buckeridge.
Fonte: Academia Brasileira de Ciências
Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI) ou Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa